A conferência da Biogen, realizada no hotel Marriott Long Wharf de Boston, em fevereiro, teve um papel muito maior na disseminação do coronavírus do que se pensava anteriormente
Em fevereiro deste ano, realizou-se uma conferência, em Boston, que, segundo um novo estudo, teve um grande impacto na propagação da Covid-19. No evento da farmacêutica Biogen estiveram presentes cerca de 200 pessoas, que deram origem a 20 mil novas infeções.
Durante dois dias, os convidados trocaram apertos de mão, beijos, abraços, e até partilharam objetos, não estando conscientes de que um dos presentes estava infetado. No final da reunião, no dia 27 de fevereiro, o vírus tinha-se espalhado para mais pessoas e, consequentemente, estes transportaram o vírus consigo até aos subúrbios de Boston, para o Indiana e para a Carolina do Norte, para a Eslováquia, a Austrália e Singapura.
Nas duas semanas seguintes, o vírus que foi transmitido pelos membros da conferência, desencadeou pelo menos 35 novos casos. Em abril, descobriu-se que o vírus chegou as duas residências para sem abrigos, em Boston, onde infetou 122 residentes.
“No final das contas, mais de 90 casos foram diagnosticados nas pessoas associadas a esta conferência ou aos seus contactos, levantando a suspeita de que um evento de superspreading tinha ocorrido”, escreveram os autores do estudo que foi publicado, esta terça-feira, no MedRxiv e que ainda não foi revisto.
Um superspreader é um indivíduo com uma maior probabilidade de infetar outras pessoas, em comparação com uma pessoa infetada “normal”. A super-propagação, como foi o caso desta conferência, ocorre quando uma ou algumas pessoas infetadas causam uma cascata de transmissões de uma doença infecciosa.
A equipa analisou as sequências genéticas do vírus de 772 pacientes das várias partes do mundo, maioritariamente da região de Boston. Ao examinar as mutações no código genético – que ocorrem à medida que o vírus faz cópias de si mesmo – perceberam que existem mudanças subtis entre os vírus, que agem como um passaporte mostrando onde o vírus já esteve. Os investigadores identificaram mais de 80 genomas distintos de SARS-CoV-2, que infetaram a área de Boston nos primeiros cinco meses do ano. A maioria dos vírus veio de outras partes como dos Estados Unidos e da Europa Ocidental, referem os cientistas.
Mas o vírus com uma assinatura genética única teve um grande impacto. Cerca de 289 dos 772 pacientes, ou mais de um terço, foram infectados com o vírus ligado à reunião realizada nos dias 26 e 27 de fevereiro.
À CNN, Bronwyn MacInnis, investidora do Broad Institute e autora do estudo, disse, por email, que “muitos fatores tornaram a conferência uma infeliz tempestade perfeita como um evento de superspreading. O facto de o vírus ter sido introduzido na conferência foi um azar”, escreveu MacInnis no e-mail. “Esta não é uma estimativa rigorosa, mas comunica a escala”, acrescentou, referindo-se ao estudo que ajudou a realizar.
“O momento em que aconteceu foi crítico: foi agendado exatamente quando estávamos todos a começar a avaliar a ameaça iminente da Covid nas nossas casas. Se tivesse sido uma semana depois, o evento provavelmente teria sido cancelado”, escreveu MacInnis no e-mail.
“Além disso, como aconteceu no início da epidemia, [o vírus] teve a hipótese de se espalhar amplamente antes que houvesse uma extensa capacidade de teste, paralisações, distanciamento social e o uso de máscaras”, disse a investigadora. “O outro fator crítico foi a população na qual o vírus se espalhou: pessoas que vieram de muitos lugares diferentes (incluindo alguns locais onde a Covid já estava em circulação) e que então voltaram para casa, muitas vezes sem saber que transportavam o vírus com elas.”
Em comunicado à CNN, a Biogen escreveu que “fevereiro de 2020 foi quase há meio ano atrás e foi um período em que o conhecimento geral sobre o coronavírus era limitado”. “Estávamos a seguir rigorosamente as diretrizes oficiais da altura. Jamais colocaríamos alguém em risco intencionalmente. Quando soubemos que vários colegas nossos estavam doentes, não sabíamos que a causa era a Covid-19, mas notificamos imediatamente as autoridades de saúde pública e que tomou medidas para limitar a propagação”.
“O mundo hoje tem uma compreensão muito maior de como este vírus pode ser transmitido com facilidade e rapidez e estamos orgulhosos de contribuir com essa colaboração para o esforço global de superar a Covid-19”, refere a empresa.
“As nossas descobertas destacam, repetidamente, que as relações estreitas entre grupos e populações aparentemente desconectados são relevantes: as viagens de negócios internacionais semearam grandes surtos por toda a área de Boston e foram exportados para outros locais, nacionais e internacionais”, escreveram os investigadores do estudo.
fonte:sapo